O que eles têm em comum?
Certa vez, ao final de um recital de piano, uma senhora abordou Nelson Freire.
- Estou muito emocionada com o recital, disse ela. Eu daria a vida para tocar como o senhor.
Agradecido, e consciente, o pianista respondeu:
- Pois é, minha cara senhora, eu dei.

Essa pequena anedota da vida real ilustra perfeitamente o que Santa Teresa D'Ávila já havia dito alguns séculos antes.
É justo que muito custe o que muito vale.
Tudo que muito vale muito custa.
Ser um pianista aclamado internacionalmente por sua música muito vale. E custou uma vida de dedicação a Nelson.
Ter saúde e disposição para bem viver vale muito. E muito custa a disciplina na alimentação saudável, na rotina de exercícios, no pensamento positivo.
O sucesso no trabalho não é escada que se suba em 2 dias. Custa dias, meses, anos de estudo, prática e entrega para melhor servir ao mundo.
A conquista da solidez nas finanças vale muito - o sossego de saber que se tem para si e para os seus e, inclusive, para a caridade. E custa muito - suor, esforço, renúncias, trabalho.
A construção de uma família que seja testemunho vivo da fé e das virtudes vale muito. E muito custa - a vida e o sacrifício de todos para tal feito.
A fé consciente, embasada no entendimento, vale tanto que nos concede a paz de Deus que excede todo o entendimento. E custa estudos, tempo de oração e reflexão, exercício constante de humildade, altruísmo e caridade.
A virtude do autodomínio muito vale. É a maior ousadia a conquista de si mesmo. Mas custa muito domar o ego, subjulgar a inclinação hedonista à vontade madura, o impulso infantil sobrepujado à inteligência consciente.
Não estou fazendo uma ode ao esforço desmedido, workaholic. A palavra sacrifício foi deveras distorcida em nosso zeitgeist. Sua etimologia vem do latim SACRIFICIUS, da junção entre Sacer (sagrado) e Facere (fazer). Sacrifício é o ato de fazer a ação revestido da consciência de sua sacralidade.
Porque os motivos importam. Eles são a raiz da ação.
Trabalhar por obrigação e dinheiro é diferente de fazê-lo com a consciência de servir à vida, com o desejo genuíno de deixar a vida de alguém um pouco melhor com aquilo que de melhor faço.
Casar por amor hollywoodiano, porque encontrou a pessoa certa ou por medo da solidão é diferente de casar para aprender a amar a pessoa errada, desenvolvendo todos os dias e noites, em si e no outro, a virtude de amar, a entrega ao sacrifício, a vitória sobre o egoísmo.
Afinal, no imperativo do "eu" e do "meu" não se faz uma família; só a unidade é capaz de edificá-la.
Cozinhar por obrigação é diferente de fazê-lo revestida da consciência de nutrir a minha família, proporcionar um momento de alegria e união à mesa do jantar, saber o impacto disso na saúde de longo prazo.
Ser generoso para fins de exibicionismo e afagos egóicos é diferente de doar com a consciência de compartilhar um pouco das tantas graças recebidas.

Perceber a justiça que há em dar antes de sequer pensar em receber é abraçar livremente a paixão, a própria via-crucis, pessoal e intransferível, que cabe a cada um. Pois é dando que se recebe.
E pra quê tudo isso, afinal?
Nelson Freire entregou sua vida ao piano. E tocou mais do que música. Santa Teresa entregou sua vida ao apostolado. E tocou mais do que a fé.
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A Santa e o Pianista: o que eles têm em comum? Ambos ensinaram que existe um jeito de tocar o céu. Em verdade, àqueles que ousam abraçar livremente a paixão - entrega ao sacrifício - é reservada a Graça de tocar o céu.
Entregando-se. Dando a sua vida por algo maior do que a si mesmo.
Vencer o imperativo do "eu" é viver que nem uma vela: aquela que se permite queimar inteira para iluminar.
Até sempre,
Susan
Founder Zeitgeist iD | A sua marca no espírito da época.
Creator Artesania da Palavra | O meu blog no espírito da época.
Susan Duarte©Copyright 2023.
p.s: as Bachianas de Villa-Lobos pelas mãos de Nelson Freire.
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