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Um belo dia

Foto do escritor: Susan DuarteSusan Duarte

Rita resolveu mudar e fazer tudo o que queria fazer.


Ela se foi há uma semana. Evidente que segue mais viva do que nunca, na alma, na obra, na música.


E faz uma semana que uma de suas músicas sussurra insistente, sem parar, ao meu ouvido, naquela escuta interior, quando não são os ouvidos que escutam, e sim a alma que canta.


Um belo dia resolvi mudar

E fazer tudo que eu queria fazer.

A gente ensaia. Planeja. Desenha. Analisa. Avalia. Meu sol em capricórnio me denuncia - uma planilha de excel antes de ir à praia, imagina, na hora de decidir. Moramos no prefácio. Por vezes, de tanto adiar, no posfácio, enquanto o verbo da vida, a ação que reside no enredo dos capítulos, a gente evita. Rita não. Já nasceu no capítulo 1, em ato, sem hiatos de hesitação e frescuras analíticas. Ela deu risada do modo cartesiano de ser e estar, debochou de Descartes descaradamente, inaugurando a simplicidade fenomenológica na prática - eu sou. Ponto. Logo, só por isso e por tudo isso, por SER, vou FAZER tudo o que eu QUERO fazer. E só fez o que queria fazer.

É tão simples que assusta!

Aos domesticados-moralistas-mimizentos de plantão, tal postura é uma afronta. Como assim ela resolveu mudar? Quem ela pensa que é pra fazer o que queria fazer? Pois é. Ela é. E isso bastou para mudar, fazer, e querer fazer o que fazia. Que manifesto de vontade, Rita! Obrigada.


Me libertei daquela vida vulgar

A vida vulgar, ordinária, aquela vida que mata aos poucos, que subtrai a vida de potência, ao invés de expandi-la. Aquela vida sem brilho, que mais nos apequena e aprisiona do que liberta e desafia. Sempre me pergunto se tenho vivido de modo a criar mais vida ou mais morte. É uma revisão recorrente e necessária, em meio a tanta toxidade, interna e externa. Tem que dar um grito - de guerra, de chega, de basta, e se libertar.

Mudar é mais sobre excluir do que adicionar.

A faxina inicial é fundamental. Quer mudar? Comece jogando fora. Vale tudo: crenças, desculpas, hábitos, cigarros, roupas, pessoas, garrafas, doces, salgados, situações, papéis de bala, flores mortas, mágoas, alfinetes, ofensas, elogios, memórias, sapatos, títulos, alianças, projetos, sucessos, fracassos, acusações, dores, extremos, faltas, UFA!, e a lista continua por sua conta e risco, até um lugar incerto e não sabido. Não há mudança que se instale nem perdure em meio a excessos, tranqueiras, acúmulos, bagulhos. Estilo Marie Kondo, só vale guardar o que traz alegria. O resto? Abra espaço, esvazie, liberte.


Que eu levava estando junto a você.

Esse tal você pode ser um relacionamento, um outro, mas pode, inclusive, ser a gente mesmo. Tal você pode ser uma nova versão sua. Quantas vezes me libertei de uma vida vulgar que uma antiga versão minha insistia em levar? Não dá pra contar. Despedir-se de quem você tem sido, dar adeus a quem tenha estado a seu lado mas contra você, é premissa para seguir. Enfrente para ir em frente.


E em tudo que eu faço

Existe um porquê.

Não é só fazer. Pra Rita, havia pelo menos um porquê pra cada fazer. Propósito e sentido são razões existenciais fundamentais à nossa autoconsciência de ser. Tais elementos dão coesão à vida, coadunam nossos significados numa direção que nos parece mais bonita, mais viva. Não é ir por ir, casar por casar, trabalhar porque tem que trabalhar, fazer de qualquer jeito. Tem que querer, de verdade, porque há um porquê. Rita ratificou - havia um porquê em tudo o que fazia porque ela sabia.


Eu sei que eu nasci

Sei que eu nasci pra saber.

De todas as ignorâncias, a de si próprio é a mais debilitante. Viver numa das épocas mais livres da história da humanidade não aumentou nosso índice de felicidade. A real é que muitos não são quem querem ser porque não sabem o que realmente querem - ser, fazer, construir. Sem saber de si mesmo, sem sequer saber que nasceu pra saber, fica difícil viver, quiçá, viver feliz. Mas Rita soube. Desse primeiro saber, buscou saber mais, e dele, uma extensa obra de prosa, poesia, autenticidade e música nasceu.


E fui andando sem pensar em voltar

E sem ligar pro que me aconteceu.

Depois de resolver mudar, adivinha só? A gente olha pra trás. Volta atrás, até desfaz o que já estava feito. Mas espera aí! A Rita indicou o caminho. O jeito é ir andando, sem sequer pensar em voltar.

Só ir.

É estar tão concentrado no horizonte, na imensidão do porvir, que a gente nem liga pro que aconteceu, pro que fizeram, disseram, pensaram. Dane-se. Eles passarão, eu passarinho.


Um belo dia vou lhe telefonar

Pra lhe dizer que aquele sonho cresceu.

Depois de toda essa jornada, há horizonte e vontade pra sonhar, há vida nova para o sonho crescer.


No ar que eu respiro

Eu sinto prazer

De ser quem eu sou, de estar onde estou.

No ar que eu respiro, aqui-agora, na presença, eu sinto prazer. Não qualquer prazer de sentido vago e hedonista, vazio, efêmero. Um prazer genuíno de ser quem se é, de estar, inteira, onde estou. No meu dicionário, o significado de autenticidade se encontra nesses versos. Sei que sou autêntica precisamente aí: quando apenas no ar que eu respiro, eu sinto prazer, de ser quem eu sou e de estar onde estou.


Agora só falta você.

Até ela, rainha de si, da música, do rock, sabia: em um reino feliz não se pode reinar sozinho. Os 52 anos de união com seu parceiro de vida, amigo e marido, Roberto, são a prova de um reinado que funciona.

Em tempos tão líquidos, será que há rebeldia maior do que amar de verdade?
Rita Lee. Agora só falta você.
Rita Lee. Agora só falta você.

Tutorial de vida da Rita Lee:

Mudar.

Fazer.

Querer fazer.

Ter um porquê para cada fazer.

Libertar.

Saber.

Andar.

Voltar? Nem pensar.

Sonhar.

Respirar.

Prazer.

De ser e estar.

E agora?


Só falta você. Pra quê mesmo, Rita?

Amar.


A autenticidade foi a marca de sua música, o seu jeito de viver. Sua maior rebeldia foi ousar ser quem ela era, e não aquela que esperavam que ela fosse, que ditavam que ela deveria ser. Pai, marido, sociedade, governo - quem? Ela só obedeceu a si mesma. Ela não sabia se tamanha ousadia daria certo e, acredito, que nem tenha se preocupado com isso. Na patologia do fazer a vida "dar certo", o doente só se esquece de viver. Ela estava tão ocupada em ser e cantar e viver que nem ligou. Só foi lá e fez.

Fez um auê!

E foi quem ela queria ser. Rita virou a rainha do rock nacional porque, antes, ousou ser a rainha de si mesma. E daí que ela seria a ovelha negra da família, teria que sumir, e se assumir? Foda-se. Ela bancou. Sendo rainha de si mesma, tornou-se a rainha de um país.


Agora, pergunto eu... E agora? Dia desses, vou te telefonar pra contar que aquele meu sonho, tão meu que nem pronuncio, cresceu. Contar que resolvi mudar, que estou mudando, e (quase) fazendo somente o que quero fazer, porque em tudo o que faço existe um porquê.

Aprendi contigo que nasci pra saber.

Agora só falta você, Dona Lee.

Yeah, yeah.


E eu agradeço o teu AUÊ!


Até sempre,

Susan Duarte

Ceo & Founder Zeitgeist iD | A sua marca no espírito da época.

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